A Liberdade na Perspectiva Existencial: Entre a Condenação e a Autenticidade

Na perspectiva existencial, a liberdade não é uma ausência de limites: é um convite inevitável para escolhermos quem seremos diante da angústia, das circunstâncias e dos paradoxos da vida. Conheça mais sobre o conceito existencial de liberdade, suas relações com autenticidade e facticidade, e o profundo significado que essa compreensão pode trazer para nossas vidas.

INTRODUÇÃO TEÓRICA

5/8/20243 min read

A liberdade é o paradoxo que define a condição humana. Ao mesmo tempo que nos liberta, ela nos prende ao peso inevitável da escolha. É um presente, mas também uma sentença, a mais bela e angustiante responsabilidade. Somos os artífices do próprio destino e, simultaneamente, prisioneiros da necessidade de nos inventarmos continuamente.

Para o existencialismo, ser livre não é um privilégio ou um direito adquirido, mas um fato irrecusável da existência. Como diz Jean-Paul Sartre, estamos "condenados à liberdade" (Edwards, 2022). Essa afirmação não é apenas retórica, é um profundo reconhecimento da responsabilidade que repousa sobre cada um. Liberdade, nesse sentido, não implica ausência de restrições externas, mas a consciência angustiante e inevitável de que somos os únicos autores da nossa existência. Cada decisão é carregada da gravidade de tornar irreversível o que escolhemos, com todas as suas consequências.

Na mesma medida em que experimentamos a liberdade, também vivenciamos nossa faticidade, o contexto em que estamos inevitavelmente inseridos: nossa história, nossa cultura, nosso corpo e nossa finitude. Heidegger compreende a liberdade justamente em conexão com essa facticidade, ou seja, com o fato incontornável de sermos seres lançados ao mundo, carregando circunstâncias que não escolhemos e que limitam nossas possibilidades. É nessa tensão entre a liberdade e a facticidade que emerge o conceito heideggeriano de autenticidade (Mandić, 2024).

Ser autêntico é escolher viver com consciência plena de nossa condição, abraçando corajosamente a inevitabilidade da morte e a angústia decorrente da responsabilidade por nossas decisões. É habitar o mundo não como vítimas passivas de circunstâncias alheias, mas como criadores conscientes de nossa existência, capazes de extrair significado mesmo do sofrimento e da finitude (van Deurzen; Arnold-Baker, 2005).

Kierkegaard (1843) também assinalou essa condição paradoxal da liberdade. Para ele, toda escolha autêntica representa um verdadeiro salto no escuro, um movimento em direção ao desconhecido que envolve coragem, paixão e incerteza. Escolher é assumir uma verdade subjetiva em meio à angústia e ao risco inevitável de errar, mas que também é a única maneira de viver plenamente a própria humanidade (van Deurzen, 2010).

Na prática clínica existencial, essa compreensão da liberdade e da facticidade é o que permite aos terapeutas ajudar seus clientes a encontrarem caminhos próprios e significativos, que respeitem tanto as possibilidades quanto as limitações que compõem sua existência (van Deurzen; Adams, 2016). O terapeuta não oferece respostas prontas ou técnicas simplistas, mas atua como companheiro de jornada, auxiliando o cliente na exploração e no esclarecimento de suas crenças, valores e modos particulares de ser-no-mundo. Este processo é descrito por Thompson (2017) como uma jornada em direção à autenticidade, onde as decisões tomadas não pretendem eliminar a angústia existencial, mas sim dotá-la de sentido e propósito.

Assim, liberdade na abordagem existencial nunca é um conceito trivial ou superficial; pelo contrário, ela ressoa com profundidade, intensidade e gravidade. Ser livre é um convite a viver conscientemente os desafios do existir, sustentando com coragem e integridade os paradoxos e ambiguidades que fazem da existência humana um fenômeno tão belo quanto misterioso. É saber que nunca poderemos controlar plenamente nossa vida, mas sempre teremos a responsabilidade inescapável de decidir quem seremos diante da imprevisibilidade do mundo.

A liberdade é, por fim, a nossa maior possibilidade e o nosso mais duro fardo, um encontro inevitável com nossa mais pura humanidade.

Referências

EDWARDS, Mary L. Sartre’s existential psychoanalysis: knowing others. London: Bloomsbury Academic, 2022.

MANDIĆ, Mo. Heideggerian existential therapy: philosophical ideas in practice. London: Routledge, 2024.

THOMPSON, M. Guy. Essays in existential psychoanalysis: on the primacy of authenticity. London: Routledge, 2017.

VAN DEURZEN, Emmy; ADAMS, Martin. Skills in existential counselling & psychotherapy. 2. ed. London: Sage, 2016.

VAN DEURZEN, Emmy; ARNOLD-BAKER, Claire. (Org.). Existential perspectives on human issues: a handbook for therapeutic practice. Hampshire: Macmillan, 2005.

VAN DEURZEN, Emmy. Everyday mysteries: a handbook of existential psychotherapy. 2. ed. London: Routledge, 2010.