Autenticidade: o Desafio Existencial de Tornar-se Quem se É
A autenticidade é um dos maiores desafios existenciais: um convite corajoso para vivermos plenamente quem realmente somos. Muito mais que uma ideia filosófica, autenticidade é um compromisso profundo com a verdade pessoal, assumindo nossas escolhas, limitações e contradições com coragem e paixão. Conheça mais sobre esse caminho essencial para uma vida mais consciente e significativa. Leia o texto completo!
INTRODUÇÃO TEÓRICA
3/17/20253 min read


A autenticidade é um encontro corajoso e inquietante consigo mesmo. Não é algo que simplesmente temos, mas algo que, continuamente, decidimos ser. Na perspectiva da psicologia existencial, autenticidade é viver consciente e deliberadamente em sintonia com a verdade íntima da própria existência, assumindo plenamente a responsabilidade pelas escolhas feitas diante do mundo e da vida.
Martin Heidegger compreende a autenticidade como um modo singular e consciente de assumir a própria existência, frente ao oposto – a inautenticidade –, que seria uma fuga cotidiana e confortável na alienação e nas convenções sociais (Mandić, 2024). Em sua concepção filosófica, somos lançados a um mundo que não escolhemos (a facticidade), mas podemos escolher como habitá-lo. Para Heidegger, tornar-se autêntico é ouvir atentamente o chamado silencioso do ser, enfrentando corajosamente as limitações e contingências, inclusive a certeza inevitável da própria morte. Ao aceitar plenamente a finitude, vivemos com profundidade e significado, reconhecendo que cada instante é irrepetível e valioso em sua fragilidade (van Deurzen; Arnold-Baker, 2005).
Jean-Paul Sartre, por sua vez, percebe a autenticidade como um modo radical de apropriação da liberdade. Ao afirmar que somos “condenados à liberdade”, Sartre (apud Edwards, 2022) indica que cada escolha carrega o peso de revelar quem somos. Escolher autenticamente significa abandonar a má-fé, a tentação ilusória de transferir nossa responsabilidade para circunstâncias externas, e abraçar conscientemente nossas decisões com todas as suas implicações existenciais. Ser autêntico é assumir que cada decisão é nossa, intransferível e determinante de quem decidimos ser.
Søren Kierkegaard, considerado um dos precursores do pensamento existencial, relaciona a autenticidade com o conceito do “salto de fé”, enfatizando que a verdadeira existência humana só é possível quando escolhemos subjetivamente, sem garantias, com profunda paixão e coragem, o caminho que dá sentido e valor à nossa vida (van Deurzen; Kenward, 2005). A autenticidade é esse movimento radical de abraçar nossa singularidade diante do abismo da incerteza, decidindo quem seremos perante o inevitável desconhecido.
A autenticidade implica uma forma de vida honesta e transparente consigo mesmo, que não se limita apenas às decisões cruciais e dramáticas, mas está presente nas pequenas escolhas diárias. M. Guy Thompson (2017) ressalta que a autenticidade não é uma condição estática, mas um desafio existencial permanente que exige vigilância constante sobre nossa maneira de ser-no-mundo. Ela envolve aceitar as próprias contradições e ambiguidades, reconhecendo que a condição humana jamais é perfeitamente coerente ou previsível. Nessa perspectiva, autenticidade não significa perfeição moral ou integridade absoluta, mas coragem para reconhecer e viver com verdade e dignidade nossas próprias contradições e fragilidades.
Na prática clínica existencial, a autenticidade ocupa posição central como objetivo terapêutico. O terapeuta existencial, portanto, oferece não soluções pré-fabricadas, mas um espaço seguro e provocador para que cada indivíduo explore sua vida interior, confrontando-se com suas verdades mais profundas e incômodas. A terapia existencial torna-se, assim, um processo delicado de autodescoberta, uma busca cuidadosa e sensível pela verdade pessoal que o cliente é convidado a encarar e assumir (van Deurzen; Adams, 2016).
Portanto, ser autêntico não é apenas um conceito filosófico ou psicológico abstrato, mas um convite radical e apaixonado para vivermos plenamente, em sintonia com a verdade singular que somos capazes de criar e descobrir. É um modo de existência que demanda coragem para enfrentar nossos maiores medos, ansiedades e dúvidas, e assumir plena responsabilidade pelo sentido que damos às nossas vidas.
Ser autêntico é, afinal, abraçar o risco maravilhoso e assustador de sermos, verdadeiramente, quem decidimos ser.
Referências
EDWARDS, Mary L. Sartre’s existential psychoanalysis: knowing others. London: Bloomsbury Academic, 2022.
MANDIĆ, Mo. Heideggerian existential therapy: philosophical ideas in practice. London: Routledge, 2024.
THOMPSON, M. Guy. Essays in existential psychoanalysis: on the primacy of authenticity. London: Routledge, 2017.
VAN DEURZEN, Emmy; ADAMS, Martin. Skills in existential counselling & psychotherapy. 2. ed. London: Sage, 2016.
VAN DEURZEN, Emmy; ARNOLD-BAKER, Claire. (Org.). Existential perspectives on human issues: a handbook for therapeutic practice. Hampshire: Macmillan, 2005.
VAN DEURZEN, Emmy; KENWARD, Raymond. Dictionary of Existential Psychotherapy and Counselling. London: Sage, 2005.