Essência e a oposição entre o Humanismo e o Existencialismo

Há um silêncio fundamental no coração da existência humana. Um silêncio imenso, um espaço vazio que nos espera desde o nascimento, que nos acolhe como um abismo sempre aberto. O que somos nós, criaturas desamparadas, senão viajantes lançados sem mapas num universo sem caminhos predeterminados?

INTRODUÇÃO TEÓRICA

3/21/20254 min read

Há um silêncio fundamental no coração da existência humana. Um silêncio imenso, um espaço vazio que nos espera desde o nascimento, que nos acolhe como um abismo sempre aberto. O que somos nós, criaturas desamparadas, senão viajantes lançados sem mapas num universo sem caminhos predeterminados? Na ausência de essência, somos chamados, em liberdade vertiginosa, a assumir plena e constante responsabilidade pela criação contínua do sentido de nossa própria existência (SARTRE, 2022).

Sartre (2022) propõe uma visão que nos deixa nus diante da realidade de existir: "a existência precede a essência". A frase, em sua beleza crua, anuncia uma verdade desconcertante: não somos seres destinados a florescer naturalmente conforme uma essência pré-estabelecida; não há em nós qualquer natureza definitiva que aguarde, serenamente, nossa descoberta. Somos, ao contrário, um projeto aberto e sempre incompleto, constantemente desafiados a nos tornarmos aquilo que ainda não somos. Tal projeto é necessariamente angustiante, pois, ao contrário dos objetos que vêm ao mundo já definidos, nós nos vemos condenados a nos criar incessantemente (THOMPSON, 2024).

Essa perspectiva existencialista contrasta radicalmente com o otimismo humanista de Carl Rogers (2017), que enxerga na humanidade uma essência naturalmente voltada à realização plena. O humanismo afirma, de forma bela e sedutora, que basta um ambiente acolhedor, empático e genuíno para que o indivíduo floresça e atinja seu potencial intrínseco de bondade. Para Rogers (2017), há uma positividade essencial no ser humano, uma direção interna natural rumo ao bem-estar, à integração e à autoatualização.

O existencialismo sartreano, no entanto, lança um olhar muito mais radical e inquietante sobre a condição humana. Não somos guiados por uma essência que assegure nosso desenvolvimento. Sartre vê o ser humano como um ser que, em sua liberdade, deve criar, sem garantias, um sentido para sua vida a partir do nada. É essa liberdade radical, essa condição angustiante de estar sempre por definir, que constitui a maior riqueza e também o maior peso da existência humana (SCHNEIDER, 2011).

E aqui reside a inquietante diferença filosófica e clínica entre o existencialismo e o humanismo. O humanismo acredita em algo seguro e intrínseco que pode ser revelado. O existencialismo afirma, de forma impiedosa, que não há nada garantido; nenhuma bondade original que nos salve, nenhuma natureza prévia que nos absolva da tarefa de continuamente escolher. Se o humanismo oferece o conforto acolhedor de um mundo já provido de sentido e propósito intrínsecos, o existencialismo exige a coragem para encarar o vazio da existência, o risco de uma vida que só faz sentido na medida em que nós próprios lhe atribuímos significado, dia após dia, ato após ato (VAN DEURZEN, 2010).

Heidegger (MANDIĆ, 2024), aprofundando ainda mais essa perspectiva existencial, argumenta que somos seres lançados à vida (Geworfenheit). Sem escolha, surgimos no mundo imersos em circunstâncias que não pedimos e, ainda assim, temos que assumir plenamente a responsabilidade por elas. Nossa existência é feita de rupturas, perturbações e desmoronamentos que revelam constantemente a fragilidade e a precariedade de tudo o que tentamos construir. Nossa única esperança reside, paradoxalmente, em aceitar e habitar plenamente essa precariedade, reconhecendo nela a verdadeira natureza do existir humano.

O terapeuta existencial, fiel a esses princípios, não busca desvendar uma essência oculta em seus clientes. Seu propósito não é revelar algo já presente ou ajudar o cliente a retornar a uma suposta natureza verdadeira. Pelo contrário, a clínica existencial consiste na ousadia de confrontar o outro com a radicalidade de sua liberdade, com as escolhas que negou ou deixou de fazer, com as decisões que tomou e que definem quem ele é agora (VAN DEURZEN, 2002). A terapia existencial não é simplesmente acolhedora; é confrontadora, desafiante, provocadora. Ela convida o indivíduo a reconhecer o desamparo original e, deste reconhecimento, inventar ativamente um modo autêntico e lúcido de viver.

Diferentemente do terapeuta humanista, que acompanha o cliente como um jardineiro que delicadamente rega e cuida da planta em seu inevitável desabrochar, o terapeuta existencial não se limita ao acolhimento, mas age como um parceiro incômodo e inspirador que desperta o cliente para a consciência dolorosa, porém libertadora, da ausência de uma essência pré-determinada. Em vez de prometer segurança, o existencialismo oferece lucidez frente ao absurdo inevitável da existência (MANDIĆ, 2024).

Enquanto Rogers (2017) confiava plenamente numa essência intrínseca e positiva, Sartre (2022) lança o ser humano ao deserto sem trilhas, onde cada passo é decisão inédita, sem garantia de bondade ou segurança. E nessa insegurança mora justamente nossa grandeza humana: nossa possibilidade de criação e reinvenção constantes. Como nos recorda Heidegger, somos seres sempre lançados para frente, projetados em direção ao que ainda não somos, condenados a escolher mesmo sem sabermos onde nossos passos nos levarão (MANDIĆ, 2024).

Essa é a poesia profunda e perturbadora da visão existencial: não há respostas definitivas, apenas perguntas que precisam ser feitas incessantemente. A ausência de essência nos lança em uma aventura extraordinária e corajosa, em que cada instante é uma convocação para inventarmos a vida que podemos suportar viver. Não somos seres estáticos, limitados por uma definição essencial que nos precede. Somos, como diria Sartre, condenados e ao mesmo tempo libertos pela ausência de essências: seres que escrevem no vazio, e com cada traço de tinta, constroem mundos novos.

Existir sem essência é, assim, ser eternamente responsável por tornar-se quem se é, num mundo onde o sentido não é dado, mas arduamente conquistado. Uma tarefa imensa, mas precisamente por isso, profundamente humana e poeticamente bela.

Ser existencialista é, portanto, ser artista de si mesmo, é transformar a angústia do vazio existencial na arte cotidiana de criar e recriar continuamente o que somos e o que podemos vir a ser.

Referências:

COOPER, Mick. Existential therapies. London: Sage Publications, 2017.

ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2017.

SARTRE, Jean-Paul. Existencialismo é um humanismo. Trad. Rita Correia Guedes. São Paulo: Vozes, 2022.

SCHNEIDER, Daniela Ribeiro. Sartre e a psicologia clínica. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011.

VAN DEURZEN, Emmy. Existential counselling & psychotherapy in practice. 2. ed. London: Sage, 2002.

VAN DEURZEN, Emmy. Everyday mysteries. London: Routledge, 2010.

MANDIĆ, Mo. Heideggerian existential therapy: philosophical ideas in practice. London: Routledge, 2024.