Resenha Crítica da obra "As Dores do Mundo" de Arthur Schopenhauer
Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão cujo pensamento é reconhecido pela profundidade e pelo radical pessimismo, traz em sua obra As Dores do Mundo, traduzida por José Souza de Oliveira (Edipro, 2019), uma investigação filosófica implacável sobre o sofrimento humano. Não pode ser considerado um filósofo existencial, mas influenciou parte do movimento e oferece um insight profundo sobre o que é uma mente em sofrimento.
RESENHAS CRÍTICAS
3/22/20253 min read


Para Schopenhauer, o sofrimento não é um mero acidente da existência, mas sua essência fundamental. Ele afirma categoricamente que apenas a dor é algo positivo e palpável, enquanto a felicidade nada mais é do que a ausência temporária e sempre frágil de sofrimento. Essa visão permite compreender o sofrimento não como algo a ser simplesmente eliminado, mas como um elemento intrínseco da experiência humana, inevitavelmente presente desde a angústia existencial até as pequenas frustrações cotidianas.
É precisamente essa consciência do sofrimento como realidade básica que torna a obra de Schopenhauer tão relevante para a compreensão do sofrimento psicológico e emocional das pessoas, especialmente daquelas que enfrentam crises existenciais profundas, depressão, ansiedade ou perda de sentido na vida.
No centro da análise schopenhaueriana do sofrimento está o amor. Para ele, o amor é essencialmente uma forma de ilusão e autoengano projetada pela natureza para garantir a continuidade da espécie. O filósofo descreve o amor romântico como uma poderosa armadilha: indivíduos são levados por uma paixão cega e desesperada que promete felicidade absoluta, mas inevitavelmente entrega desilusão e sofrimento.
Schopenhauer sugere que o amor cumpre um papel duplo: garante a sobrevivência da espécie e perpetua o sofrimento individual. Ao projetar qualidades idealizadas no outro, os amantes estão "inconscientemente" cumprindo os interesses da natureza, sem perceber que perpetuam o ciclo de dor que a existência implica. Assim, ele define os amantes como "traidores inconscientes", que dão continuidade ao sofrimento ao trazer novas vidas ao mundo. Schopenhauer expõe como os indivíduos projetam nos amados qualidades e virtudes idealizadas, para posteriormente caírem em desilusão.
Outro núcleo essencial do sofrimento destacado por Schopenhauer é o tédio existencial. Segundo ele, a vida humana oscila entre a dor da falta e o vazio provocado pela satisfação plena dos desejos. Uma vez alcançados nossos objetivos, o prazer é breve, e logo surge um vazio imenso, que Schopenhauer denomina tédio (do alemão Langeweile, literalmente “tempo prolongado demais”).
A incapacidade humana de viver em plenitude constante gera ciclos intermináveis de desejos insatisfeitos, buscas incessantes e, finalmente, frustração. Quando o desejo é totalmente realizado, deixa de existir propósito. O filósofo descreve essa situação dizendo que, se a dor da necessidade é superada, o ser humano cai inevitavelmente no vazio da existência sem sentido, num tédio esmagador.
Aqui, Schopenhauer mostra-se especialmente valioso para entender o sofrimento daqueles que se sentem presos em rotinas tediosas, ou que, mesmo alcançando grandes realizações, se veem inexplicavelmente vazios e deprimidos.
Apesar do pessimismo, Schopenhauer encontra na moral uma possibilidade real e significativa de aliviar o sofrimento humano. Para ele, a única verdadeira base da moralidade é a compaixão, a capacidade genuína de perceber o sofrimento do outro e sentir empatia por ele. O reconhecimento de que todos sofrem universalmente leva a uma forma superior de consciência ética, pela qual se abandona temporariamente o egoísmo para acolher a dor do outro como algo igualmente relevante.
Essa moral da compaixão é poderosa, pois transcende as ilusões criadas pela natureza, permitindo ao indivíduo enxergar a condição real do ser humano: todos são "companheiros de sofrimento" e, portanto, merecedores de empatia e solidariedade profunda.
Tal visão moral torna-se extremamente relevante para compreender formas de sofrimento coletivo e individual, apontando a importância da empatia, especialmente na escuta e acolhimento psicológico, oferecendo recursos importantes àqueles que lidam diretamente com sofrimento alheio, como psicólogos, médicos e educadores.
As Dores do Mundo, embora escrita no século XIX, continua profundamente relevante na atualidade. Ao reconhecer que o sofrimento é central à existência, Schopenhauer oferece recursos importantes para entender o sofrimento emocional de indivíduos em situações existenciais difíceis. Sua perspectiva sobre o amor pode ajudar terapeutas a compreender os dilemas afetivos mais profundos, como dependências emocionais, ilusões amorosas ou frustrações constantes nas relações.
Da mesma forma, a reflexão sobre o tédio existencial contribui significativamente para compreender sentimentos de vazio, falta de propósito e crises existenciais, tão comuns na contemporaneidade marcada pela pressão pelo sucesso constante. Além disso, ao defender uma moral baseada na empatia, Schopenhauer oferece um caminho ético sólido e humanizado para acolher o sofrimento alheio, reconhecendo a solidariedade como uma via possível de resistência ao pessimismo extremo.
Em resumo, o valor contemporâneo desta obra reside exatamente na sua honestidade radical. Schopenhauer retira ilusões reconfortantes sobre a vida e obriga o leitor a olhar diretamente para os aspectos dolorosos da existência, oferecendo uma visão profunda do sofrimento humano. Sua filosofia é, assim, indispensável não apenas pela lucidez com que desmonta ilusões, mas também por possibilitar uma compreensão profunda, honesta e solidária das dores humanas que, muitas vezes, permanecem invisíveis e mal compreendidas.
Referências:
Schopenhauer, Arthur. As Dores do Mundo. Tradução de José Souza de Oliveira. São Paulo: Edipro, 2019.