Resenha crítica: "Living With the Other: The Ethic of Inner Retreat"
Na obra Living With the Other: The Ethic of Inner Retreat, Avi Sagi propõe uma reflexão ética inovadora sobre como conviver com o Outro sem perder nossa identidade. O autor defende o conceito de "recuo interior" como uma fronteira crítica e consciente, que preserva a autonomia pessoal e permite relações verdadeiramente éticas. Uma leitura essencial para quem busca equilibrar responsabilidade e autoconhecimento nas relações humanas
RESENHAS CRÍTICAS
3/28/20255 min read


O livro Living With the Other: The Ethic of Inner Retreat, escrito por Avi Sagi, é uma contribuição significativa ao campo da fenomenologia ética e existencial. Publicado na série Contributions To Phenomenology pela editora Springer (2018), Sagi constrói um debate filosófico rigoroso em torno da coexistência humana com o "Outro", examinando profundamente como o indivíduo pode relacionar-se de forma ética com as alteridades, a partir do conceito de "retirada interior" (inner retreat).
O autor parte de uma base filosófica ampla, fazendo interlocuções entre pensadores fundamentais como Emmanuel Levinas, Martin Buber, Søren Kierkegaard e Jean-Paul Sartre. Avi Sagi desenvolve sua tese central explorando a delicada relação entre autonomia pessoal, ética da responsabilidade e a aceitação consciente e respeitosa da alteridade.
O livro está estruturado em capítulos que oferecem um aprofundamento gradual, metodologicamente orientado à exposição e ao questionamento crítico. A proposta do autor é examinar como indivíduos se relacionam com a alteridade sem abrir mão de uma dimensão privada de autocompreensão, ou seja, sem perderem-se completamente no Outro, preservando o que chama de “espaço interior”.
O conceito central de "inner retreat" proposto por Sagi é audacioso e inovador. Não se trata de fuga ou isolamento, mas de uma estratégia ética complexa: preservar uma interioridade que sustenta a autonomia do sujeito, mas simultaneamente permanece aberta ao Outro, evitando tanto o isolamento egoísta quanto a fusão acrítica com a alteridade. Este "recuo interior" configura uma atitude ética madura, promovendo uma coexistência genuína e profunda (SAGI, 2018).
A força conceitual de Sagi é inquestionável, principalmente pela riqueza com que dialoga com autores fundamentais. No entanto, sua teoria desafia diretamente tradições filosóficas que defendem a completa entrega ética ao Outro, como no caso de Levinas, cuja ética da alteridade absoluta é revisitada e problematizada criticamente. Ao invés da dissolução completa do eu na alteridade, Sagi propõe uma tensão dialógica, uma coexistência entre autonomia e responsabilidade, sugerindo que somente através da preservação consciente dessa fronteira interna é que o encontro com o Outro torna-se realmente ético e significativo.
Um exemplo prático dessa proposta pode ser ilustrado em situações de psicoterapia ou aconselhamento psicológico, onde profissionais precisam preservar uma distância crítica ao mesmo tempo em que demonstram empatia e acolhimento. O psicólogo não pode fundir-se completamente com a dor ou os conflitos do paciente, pois isso inviabilizaria o olhar terapêutico e as intervenções apropriadas. Mas, ao mesmo tempo, não pode afastar-se tanto ao ponto de tornar-se distante e incapaz de uma compreensão empática. Sagi, portanto, oferece uma reflexão essencialmente útil para práticas que exigem equilíbrio ético rigoroso.
Apesar do brilhantismo conceitual, cabe indagar inicialmente se o autor fornece parâmetros claros para determinar a fronteira entre recuo saudável e isolamento egoísta. Como garantir que este "inner retreat" não se transforme em mero escapismo diante das responsabilidades éticas impostas pela alteridade? Ao propor uma ética baseada em equilíbrio tão sutil, surge o risco de que essa prática possa se tornar elitista ou aplicável apenas em contextos privilegiados, onde as condições permitem uma reflexão constante e profunda. Assim, o conceito demanda critérios mais explícitos para sua aplicabilidade prática em contextos diversificados.
A proposta filosófica de Avi Sagi (2018) sobre a "retirada interior" está inserida em uma tradição ética fenomenológica que reconhece a tensão fundamental da coexistência humana. Para Sagi, esta "retirada" não deve ser confundida com alienação ou afastamento egoísta do mundo, mas representa um espaço ético fundamental onde o sujeito mantém autonomia suficiente para um verdadeiro encontro com a alteridade.
Nessa perspectiva, o encontro com o Outro não é visto como uma anulação do Eu, nem como subjugação à alteridade absoluta. Contrariamente ao pensamento radical de Levinas, que sugere a primazia absoluta do Outro sobre o Eu, Sagi argumenta que uma ética autêntica demanda um espaço interior protegido que permita autonomia e discernimento moral. Em outras palavras, o "recuo interior" é o ponto onde o sujeito reflete sobre suas próprias responsabilidades, reconhecendo a alteridade sem dissolver completamente sua identidade.
Essa proposta é extremamente inovadora ao articular criticamente ideias antagônicas dentro da tradição ética fenomenológica. Ao destacar essa fronteira interior como um espaço ético, Sagi está explicitamente colocando uma terceira via filosófica entre dois extremos perigosos: o isolamento narcisista e a submissão acrítica ao Outro. Tal perspectiva é profundamente humana, pois reconhece a necessidade da reflexão e da crítica interna como condições essenciais para a ação ética autêntica.
A teoria apresentada por Sagi (2018) traz profundas implicações éticas e filosóficas que merecem atenção cuidadosa. Ao defender uma fronteira interna como espaço ético necessário, Sagi permite repensar a noção tradicional de responsabilidade moral. Sua abordagem promove a ideia de que responsabilidade ética não implica automaticamente submissão ou anulação, mas exige, paradoxalmente, a preservação da identidade e do discernimento pessoal.
Entretanto, há um desafio conceitual importante: como garantir que o conceito de "inner retreat" não se converta em uma desculpa para evitar engajamento genuíno com o Outro? A proposta de Sagi demanda maturidade ética e consciência elevada, condições que nem sempre são possíveis em contextos menos favoráveis. Embora filosoficamente atraente, na prática, a distinção entre recuo ético e fuga egoísta pode ser tênue, e o autor não oferece critérios suficientemente explícitos para garantir uma aplicação precisa.
Apesar do rigor conceitual e do caráter inovador da proposta de Sagi (2018), algumas limitações são evidentes e merecem consideração crítica aprofundada. A principal fragilidade identificada reside justamente na operacionalização do conceito: Sagi permanece em um nível elevado de abstração filosófica, raramente explicitando como o "inner retreat" pode ser ensinado ou desenvolvido em contextos reais mais vulneráveis, menos instruídos ou socialmente desfavorecidos.
Outra potencial lacuna reside na falta de diálogo aprofundado com teorias psicológicas contemporâneas sobre limites e autorregulação emocional (por exemplo, teorias sobre regulação emocional propostas por Gross e outros autores). Integrar estas perspectivas poderia ajudar a detalhar mecanismos específicos que auxiliem indivíduos na prática efetiva do recuo ético interior, permitindo uma aplicação mais ampla e acessível dessa proposta filosófica inovadora.
Adicionalmente, embora Sagi faça referências a autores clássicos, a ausência de uma maior aproximação com teorias sociais e antropológicas atuais sobre multiculturalismo e conflitos éticos interpessoais pode limitar a relevância prática imediata de seu trabalho. Uma interlocução mais forte com esses campos poderia enriquecer significativamente a aplicabilidade do conceito em situações sociais contemporâneas, frequentemente marcadas por radicalismos e intolerância à alteridade.
Referência:
SAGI, Avi. Living With the Other: The Ethic of Inner Retreat. Cham: Springer International Publishing, 2018.